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‘Em muitos lugares o padr?o é a polariza??o’ Glocal Valor Econ?mico.txt
Adam Kahane: “A ideia de que seremos salvos por algo do ?oéapolariza??oGlocalValorEcon?como consertar quina de marmorealto, é um mito; as pessoas pensam ‘se elegermos um presidente melhor ficaremos bem’” — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo “Vejo em muitos lugares o mesmo padr?o: polariza??o, fragmenta??o e demoniza??o”, diz o canadense Adam Kahane sobre os cenários de radicaliza??o política em vários países. Referência na facilita??o de conflitos, Kahane trabalhou na áfrica do Sul no fim do regime do apartheid, na Col?mbia durante a guerra das Farc e no próprio Canadá, em conflitos com povos indígenas. “Meu trabalho é oferecer uma alternativa à violência”, explica. “Infelizmente - ou felizmente- temos que trabalhar juntos e incluir pessoas em quem n?o confiamos ou concordamos.” Kahane se define como um facilitador, n?o um mediador. Na media??o, dois lados sentam frente a frente e o mediador oferece uma solu??o. No seu trabalho, todos os atores do conflito s?o convidados a falar, ouvir e encontrar solu??es. Foi contando algumas de suas experiências que Kahane falou ontem na Conferência da Glocal Experience, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({ mode: 'organic-thumbs-feed-01-stream', container: 'taboola-mid-article-saiba-mais', placement: 'Mid Article Saiba Mais', target_type: 'mix' }); A Glocal Experience é uma iniciativa da Dream Factory com a co-realiza??o da Editora Globo (que edita o Valor) e os parceiros oficiais de mídia “O Globo”, “Extra”, Valor Econ?mico e CBN. Autor de vários livros, Kahane veio muitas vezes ao Brasil. A Reos Partners, empresa que fundou com outros sócios, procura “ajudar pessoas a avan?ar em suas quest?es mais importantes e intratáveis”, diz o texto do site. Para encontrar caminhos na emergência climática temos que ir mais longe, mais rápido e de modo mais justo” O escritório em S?o Paulo, aberto há 15 anos, trabalha com educa??o e ambiente, em quest?es amaz?nicas e nacionais. Um dos projetos mais importantes, inicado há cinco anos, é a moda sustentável. “Envolve empresas, governos, ambientalistas, sindicalistas, trabalhadores imigrantes. A quest?o é: como podemos trabalhar juntos e fazer a indústria da moda mais sustentável em termos sociais e ambientais?”. A seguir trechos da entrevista que concedeu por zoom, do Rio de Janeiro, ao Valor: Valor: O senhor trabalhou com energia, com a Shell. Como mudou para o mundo da media??o? Adam Kahane: Meu papel nestas empresas era ser alguém que aparecia com respostas. Eu era um analista em energia, economia e ambiente. A Shell tinha uma abordagem chamada “planejamento de cenários”, um método de planejamento estratégico. Em 1991, quando estava na Shell, a empresa foi procurada por um grupo de acadêmicos da áfrica do Sul. Mandela [Nelson Mandela, presidente da áfrica do Sul de 1994 a 1999) saiu da pris?o em 1990, mas a primeira elei??o democrática aconteceu só em 1994. Era um período incerto, perigoso e de esperan?as. Valor: Foi o início? Kahane: Os acadêmicos queriam usar a metodologia da Shell para planejar a transi??o do apartheid para a democracia e pediram alguém que pudesse dar assistência metodológica. Fui enviado a Cape Town. E nunca mais voltei. Valor: Como foi a experiência? Kahane: Fizeram algo que ninguém havia feito antes. A equipe que conseguiram formar n?o era apenas de pesquisadores de seu próprio departamento ou orienta??o política. Era um grupo diverso de todos os setores da sociedade africana: políticos, acadêmicos, gente de negócios e sindicatos, gente da direita e da esquerda. Fui o facilitador e foi uma experiência incrível. Nunca havia visto pessoas de todas as tendências trabalhando, pensando, sendo criativos juntos. Me dei conta que esta era a minha voca??o. Saí da Shell, mudei para a áfrica do Sul e me casei com a organizadora do projeto. Valor: O sr. diz que n?o é mediador, é facilitador. Qual a diferen?a? Kahane: N?o sou diplomata e nem mediador. Ajudo pessoas a trabalharem juntas para transformar a situa??o em que se encontram. Um mediador ouve duas partes e prop?e uma solu??o. é um papel diplomático, como o do grande Sergio Vieira de Mello [brasileiro que comandou a miss?o da ONU no Timor Leste, foi Alto Comissário das Na??es Unidas para Direitos Humanos e morreu em um atentado no Iraque, em 2003]. A abordagem é diferente para um facilitador. N?o s?o dois lados, s?o vários, e n?o proponho uma solu??o mas tento ajudar os atores a encontrar o caminho. Valor: Naquele tempo havia referências neste trabalho? Kahane: N?o. Mas percebi que os sul-africanos estavam fazendo algo que eu nunca havia ouvido falar, o que hoje chamamos de resolver problemas com múltiplos atores. E n?o era incomum na áfrica do Sul. Quando fizemos o nosso workshop havia outros 100 do gênero em outros hotéis. Isso é importante: como n?o havia uma autoridade legítima, as pessoas tinham que fazer algo por elas mesmas. Em outras palavras, era claro que o governo branco n?o tinha mais credibilidade, mas o governo negro ainda n?o havia sido eleito. Todos sabiam que era preciso tomar boas decis?es, tínhamos a oportunidade de mudar o sistema. Mas tínhamos que trabalhar juntos, inclusive com os inimigos. Valor: Porque algo diferente do que o senhor conhecia? Kahane: N?o quero romantizar, dizer que tudo funciona bem na áfrica do Sul, que n?o há conflitos violentos. Mas eu estava acostumado com um processo de decis?o autoritário, de cima para baixo, e ali se abria uma possibilidade diferente. Em um período de interregno, ou seja, quando n?o há ninguém no poder, penso que n?o se pode esperar pelo novo presidente, novo secretário-geral, nova COP para nos dizer o que fazer. Infelizmente - ou felizmente- temos que trabalhar em conjunto e incluir pessoas em quem n?o confiamos ou concordamos. A ideia de que seremos salvos por algo do alto, é um mito. As pessoas pensam ‘se elegermos um presidente melhor ficaremos bem’. Lideran?a é importante, governos s?o importantes. Mas a verdade é que n?o se faz nada sozinho. Valor: Neste processo é preciso que os lados queiram negociar. Como o senhor percebe que é o momento certo de sentar à mesa? Kahane: A minha orienta??o é esperar pelo momento em que todos os atores-chave percebem que n?o conseguem prevalecer unilateralmente e que precisam dos outros. Gostariam de fazer do jeito deles, mas se deram conta que n?o vai dar certo. Há nisto um certo tipo de equilíbrio de poder. Valor: O senhor veio muitas vezes ao Brasil. O que sente agora? Kahane: As pessoas dizem o que se ouve em todos os países, que a polariza??o é muito alta e o diálogo, muito pobre. “Tem que ser do meu jeito ou n?o tem outro”. Isso se ouve no Brasil, México, Col?mbia, Canadá. Todos estamos lutando a mesma batalha: como ir adiante neste quadro difícil, com nossas diferen?as reais - n?o as imaginárias -, e as press?es crescentes incluindo a crise do clima. Valor: No espectro político, o centro desapareceu em muitos lugares. E n?o era este o lugar da media??o? Kahane: Sim. Vejo em muitos lugares o mesmo padr?o: polariza??o, fragmenta??o e demoniza??o. N?o é só que eu discordo de você, que você está errado, mas você é mau, e você n?o é apenas mau, é o dem?nio. E como posso falar com o dem?nio? O facilitador cria um espa?o para que n?o só os extremos, mas os vários atores que existem entre os dois polos possam se encontrar e falar. Valor: Na guerra na Ucrania, aparentemente, n?o parece haver uma janela de negocia??o e isso pode fazer com que a guerra dure muito. Há jeito de romper este cenário? Kahane: N?o tenho nenhum grande insight, mas o ponto óbvio é que se n?o há negocia??o é porque os dois lados acreditam que podem vencer unilateralmente. Valor: O senhor é canadense e ali há muitos conflitos com povos indígenas, as First Nations. Pode nos contar um pouco de sua experiência? No Brasil vivemos um cenário difícil neste campo. Kahane: é o mais longo e importante conflito no Canadá. E é fundamental n?o só trabalhar com os problemas dos outros, mas com os nossos. Fiz alguns trabalhos relacionados à saúde na província de Manitoba. Duas coisas eram interessantes para mim. Naquele contexto n?o sou visto como um forasteiro neutro. Isso foi um aprendizado: como posso ser eficaz em uma situa??o em que n?o confiam em mim? Parte da resposta é eu entender que sou uma parte do quadro. A segunda li??o: trabalhei com indígenas na Col?mbia, Guatemala também. N?o se trata apenas de outro grupo de stakeholders, mas de outra cosmovis?o. é outra forma de entender o mundo. E no Canadá, particularmente, é outra na??o, por isso usamos o termo First Nation. N?o é um termo retórico. S?o na??es diferentes com leis diferentes e entendimentos diferentes do universo. é um desafio mais rico de colabora??o. Ver como colaborar com diferen?as t?o profundas. Valor: Como facilitar um contexto onde há um cenário crescente de violência como no Brasil atual? Kahane: Trabalhei na Col?mbia inclusive durante os anos do conflito. Meu trabalho é oferecer uma alternativa à violência. Ali fizemos workshops n?o apenas com o governo e empresas e ongs, mas também as FARC e todos os atores, exceto os cartéis do tráfico. Mesmo naquele contexto encontramos alguns pontos de acordo. é criar um espa?o para um amplo centro, voltando ao ponto de antes. O ex-presidente Juan Manuel Santos, que à época trabalhava em um think tank pensou, junto com outras pessoas, que talvez a metodologia que havíamos usado na áfrica do Sul pudesse ser também empregada no contexto colombiano. Isso foi em 1996. Um grupo de empresários e alguns acadêmicos criou um projeto chamado Destino Colombia. Foram nove dias de encontros mais dramáticos do que a experiência sul-africana. Com todos os atores em um pequeno hotel nos arredores de Medellin. Valor: Foi sua primeira vez trabalhando na América Latina. Kahane: Sim. Quando Santos ganhou o Nobel, 20 anos mais tarde, mencionou que aqueles workshops foram um passo importante para a paz. Fiquei feliz e surpreso de ele se lembrar. Depois fiz uma entrevista com ele e perguntei porque lembrava de Destino Col?mbia. A resposta foi formidável: disse que mencionava porque, ao contrário de sua educa??o política, ali descobriu que era possível trabalhar com pessoas com as quais n?o concordava e nunca irá concordar. Isso é realista. é a convivência, grande palavra que quer dizer viver junto. N?o concordamos em nada, mas temos que parar de falar em derrotar o outro. é uma ideia muito inspiradora. Valor: E nas negocia??es de clima e biodversidade há um conflito eterno entre o Norte e o Sul. E encontrar um consenso como atua a ONU às vezes chega apenas a um resultado fraco que n?o salva o planeta. Kahane: Creio que é possível progredir nestas difíceis negocia??es. Há muitos outros atores, além dos governos, envolvidos com a mudan?a do clima. Empresas, ongs, cidades, grupos indígenas. Há milhares de atividades colaborativas com estes atores e onde se avan?a. Precisamos de mais progresso e mais rápido. Penso que na crise climática temos que ir mais longe, mais rápido e de um modo mais justo.